Agora que se casam homens com homens, mulheres com mulheres, e uma mulher sozinha – sem homem e sem mulher (como foi anunciado esta semana num diário conhecido), só faltam casar mulheres e homens com animais. Mas há de chegar o dia, não se espergatem... Nestes casos, no entanto, o problema maior reside apenas na escolha da tutela «post-mortem»… quem sabe se o futuro tutor manda para os anjinhos o pobre animal com uma faca espetada no pescoço ou lhe dá a comer uma dose forte de veneno 'mata-ratos', e apodera-se a seguir da herança do bichinho?
Ontem numa mesa ao lado da minha no café habitual donde vejo o mar que beijo, ou melhor especificado na esplanada do café-bar Francemar, ouvi um sujeito muito eufórico que afirmou alto para três compinchas que se riam à gargalhada “vou-me casar com uma gata”, alguns segundos depois retorquiu um deles “vai-te catar!”. Quando ele disse que se ia casar com uma Lulu, até pensei automaticamente que ele se queria referir a uma mulher-gata, gata mesmo, daquelas que se enroscam num frágil e indefeso mamífero e o levam ao paraíso da luxúria. Como ficaram todos suspeitosos e indiferentes, ele voltou à carga mansamente felina e explicou-se com mais propriedade “é a melhor bicha para se consorciar e viver conjugalmente comigo, não fica caro, só precisa de ser bem alimentada com boa e comedida ração, barata por sinal, além de ser bem lavada e massajada, acarinhada com umas festinhas no lombo, lima-se-lhe as unhas e a dentadura para não arranhar nem ferrar nas horas de maior aflição, será mansa como todas são, é leal para como o dono, sedosa e carinhosa com a pelagem a roçar pelo nosso corpo, e mia de gozo como qualquer mulher resfolega e grita no melhor desempenho do acto sexual.” Outro deles a rir com as mãos na barriga insistiu “vai-te catar com a tua Lulu”. Despeitado, o hipotético noivo da Lulu, ainda acrescentou “mas é afinal o que fazem as mulheres de hoje que não gostam do trabalho doméstico, são gatas muito caras e delas obtém-se na melhor das hipóteses o mesmo prazer, e até em boa parte dos casos prazer nenhum. Só frustração.”
Olha o que acabei por ouvir do vizinho esporádico do lado, e logo aconteceu a mim que gosto de mulheres como quem gosta da Família, da Arte, da Culinária, do meu Poiso e das Cidades e Regiões que visito. Desde que apareceram nas telas dos cinemas a Katharine Hepburn e a Kim Novac, fui irresistivelmente atraído pela Beleza feminina e aninhei-me voluptuosamente no seu colo como uma criança desmamada. Tantas noites em que sonhei com a BB, com a Marylin, com a Elisabeth Taylor, e as outras em que dormi com as acompanhantes de James Bond… Foi o despertar da adolescência para a concupiscência.
Na verdade, trocar uma Miss Mundo, ainda que tenha a cabeça oca, por uma gata peluda, porventura da família dos felinos, por mais depilada que fosse, é uma barbaridade. Só de um louco!
Por um lado o noivo da Lulu até tem razão, todavia só por um lado; às vezes são chatas como a potassa por mais bonitas e benfeitas que sejam. Na fala, no discurso por vezes não dizem nada que se aproveite, linguarejam umas balelas enfastiadas e enfastiosas, na vida conjugal criam os filhos aos solavancos, repreensão daqui, reprovação dali, castigos dacolá, na cozinha confeccionam umas refeições sensaboronas, tanto meias-cruas como eventualmente esturricadas, condimentos a despropósito, monótonas, ou seja sem inovação nem variedade. E desculpam-se contrariadas replicando que bons cozinheiros são os homens que nasceram para esse efeito. Contudo, quando lhes recai o encargo, garantem imediatamente antes da prova, logo que levam a comida para a mesa “ai que está tão bom, amor!” – é o chamado contágio pela sugestão - para pôr o amor a salivar. É, assim, o desastre anunciado. E na cama nunca se lembram do camassutra, nem da prática tântrica, mesmo na época em que o amor é mais instante, mais forte e imperioso, achacam-lhes várias vezes as dores de cabeça, umas enchaquecas maradas que entontecem, só de as ouvirem repetidas, e os parceiros mansos, agarrados na cama aos seus testículos dilatados com o sémen a protestar lá dentro pela abstinência injustamente forçada; até que quanta vez optam por uma masturbação sadia a regalar-se com um filme pornográfico de boa qualidade, outras vezes lá arranjam uma jeitosa vitelinha tresmalhada que por curiosidade também quer fruir dos seus encantos sedutores (nos tempos que correm, elas são aos montes); e elas, meus caríssimos leitores e leitoras que sabem disto tanto ou muito mais do que eu, entretanto, permanecem a ver telenovelas até tarde, suspirando até à exaustão pelo galã da fita novelística da sua escolha e gosto, o que quer dizer: até os maridos adormecerem. Às vezes eles até agradecem, quando o pénis está repousamente saciado e os testículos estão aliviadamente vazios, preocupados então com a nova ínclita gestação de navegantes propensos à penetração vaginal e uterina, mas não dizem nada para não escangalharam abruptamente toda a relação conjugal. Eventualmente, dizê-lo seria um desastre possível para a vida refastelada de todas as vidas mais felizes. Noutras épocas, quando instadas ao acto amorosamente sexual num dia mais harmonioso (quase sempre quando o rei faz anos), com alguma meiguice, depois de muita insistência, lá se estendem a contragosto como bonecas insufladas que só miam ou gemem ou chiam com prazer se lhes espetarem as unhas bem afiadas nas nádegas rabinas. No entanto, durante o dia só para desanuviarem os humores agastados, consomem compulsivamente os artigos mais vistosos das butiques, coisas com marca de prestígio "made in China", gastando todo o seu e o teu dinheiro, e depois de anunciarem que vão ao cabeleireiro demoram seis horas e mais. Duas ou três vezes por semana, metade das consortes vai ao ginásio para ser assistida por um «personal trainer», uma raça atlética e bonitona, que as acolhe sempre com um sorriso irresistível, fazendo-as suar até derreterem algumas banhas, e também recorrem para sua estimável felicidade ao massagista carinhoso no tratamento das partes moles e das fímbrias lassas, e tudo isto para, no fim de todas estas tarefas bem trabalhadas, especialmente à noite, afirmarem que foi um dia muito fatigante, e sentem-se muito cansadas e ensonadas, nada aptas nem disponíveis por conseguinte para brincadeiras de cariz sexual, consideradas desnecessárias e dispensáveis ao prazer que sentem pela sua felicidade satisfeita, já realizada totalmente.
São manhas próprias da vida das nossas cara-metades, inofensivas, bem vistas as coisas pelo lado positivo. Realmente, essas coisas lindas e celestiais sobre o nosso sexo oposto, deixo-as para o escritor Luiz Fernando Veríssimo, que sabe mais delas do que nós todos juntos amon(o)toados como carneiros ou bois amansados. Ele fala delas como quem discursa acerca de uma bruta mota da última geração a rebrilhar com cromados faiscantes, ou de um automóvel novo comprado a gosto e do mais alto quilate lustroso, ao qual é preciso dar toda a atenção e assistência, ou dum iate encantador onde pode viver uns dias no alto mar, ao sabor das ondas, sem barulho, sem gatos piolhosos nem cães com carraças por perto, sem poluição, sem ácaros nem lêndeas, mas com o coração aberto ao horizonte sem fim, embalado pela ondulação marítima, resfolegando como uma criança mimada. Ele é, o confrade Veríssimo, duma sabedoria enciclopédica invulgar, e ainda, como se não fosse pouca coisa de monta, agrada tanto às mulheres que qualquer dia é santificado por todas elas num altar-mor. Porventura, se for, eu não tenho nada a ver com isso - não se esqueçam - e lavo mesmo daí as minhas mãos, porque acho que isso aí seria um sacrifício pior do que o de São Sebastião trespassado, inúmeras vezes, pelas flechas de Cupido, seu algoz na sua amantíssima pureza amorosa, exposto num madeiro grosso com o tronco esbelto todo perfurado a jorrar sangue pela pele abaixo das setas mais que muitas. Em comparação com Cristo, a sua morte foi mil vezes mais dolorosa. Todavia, se não acreditarem no que vos digo, observem bem os seus olhos a expressar, sem sombra de dúvida, um sofrimento atroz.
Porém, e por outro lado não dou razão nenhuma ao noivo da Lulu quando fala das mulheres, porque elas são belas como Vénus – a Afrodite era um bocado recheada com gordura, em demasia para o gosto das pessoas que as aferem pelo prisma ocular igual ao meu, e tinha um chisco de celulite, não perceptível nas estátuas marmóreas de tanto serem afagadas pelos escultores famosos, que as tornearam com um carinho desmesurado, e se não acreditarem certifiquem-se da que está exposta no British Museum. Mulher de raça digna do King Kong, essa sim. Todavia a Vénus, essa não, ela era uma deusa quase perfeita, tinha a graça da Leonor de Luiz de Camões quando ia à fonte e pisava a verdura atapetada do bosque, tinha o talento de uma Maria Callas, o porte e a elegância impecáveis de Catherine Deneuve ou da fenomenal Laura Minelli, a sabedoria de uma pítia, a mão e a língua que desenhavam a poesia bem pincelada de Safo, a luxúria perversamente lânguida e infiel de Madame Pompadour.
Enfim, entre uma gata ideal e uma mulher ideal há um abismo de diferença. A mesma diferença que há entre o casamento de uma mulher gatona com um cão de íntima estimação, ou um homem machão implacável acossado por mulheres que lhe fazem constantemente assédio pelos seus dotes físicos e financeiros, e, ao contrário de escolher uma de quem goste e seja a melhor de todas, engata e casa com uma gata rosnenta e piolhosa.
E, em conclusão, prefiro sem dúvida uma mulher, mesmo que não seja Vénus nem ninguém que se lhe compare, mas tenha um coração ardentemente amoroso, a uma gata que rosna, e apanha piolho e bactéria no pêlo de dia e de noite na ida ao jardim ou acima do telhado só para fazer uma mijinha ou caganita, muito bem acocorada para despejar a bexiga ou o intestino rectal de acordo com a imposição das necessidades próprias aos animais cerebrais e à fauna, que serve o Homem, contudo com outra finalidade.
Finalmente, uma mulher é sempre mulher quando é mulher. E todas elas se distinguem pela diferença. E é pela diferença que o homem escolhe a mulher, assim como elas devem fazer o mesmo certamente. E para além de tudo o que foi dito, com efeito, amemo-las que elas bem merecem ser felizes. E só o são se forem amadas numa sã e afectuosa coabitação, ou numa convivência voluptuosa que nos leva e as conduz ao paraíso divinal de quando em vez.
05 de Novembro de 2010