Desde os primórdios da nossa existência na forma humana, os aglomerados populacionais foram obrigadas a evoluir pela força guerreira com o avanço técnico quanto aos meios materiais e processos psicológicos relativos a essa arte letal, primeiro contra os animais e depois contra os hominídeos. Na realidade, neste último caso, subjugava-se a favor duma avidez meia selvagem em que um clã se impunha colocando-se numa posição dominante acima de outros clãs por meio da inspiração do medo ou do pavor; apareceram na mesma esteira logo após algumas populações mais vastas a dominar outras, de modo a usufruir, na enfiteuse arbitrária do seu trabalho e riqueza, explorando-as e escravizando a sua força laboral, confiscando delas os seus recursos naturais. Há certas zonas territoriais no planeta onde isto ainda acontece, vivendo o indígena deste modo com milénios de atraso civilizacional em relação ao conjunto máximo populacional no qual não se insere, conservando formas de vida e de costumes obsoletos, não obstante nem sempre seja assim considerado como tal pelos admiradores das culturas ancestrais e provavelmente com alguma razão; uma razão simples: nele apenas se pode censurar a barbárie praticada na acção bélica quando exercida contra o semelhante doutra região com menor poder marciano.
Numa parte deste mundo, tal qual o conhecemos, a guerra no séc. XX tornou-se cada vez mais sofisticada. Constatámos nas últimas décadas um avanço técnico espantoso na arte marcial com o intuito primeiro de defender tudo o que é vital, não só para a conservação da independência de Países ou união de Estados, como também para neutralizar movimentos subversivos que se batem por uma Justiça mais humana, mais equilibrada, mais aproximada ou mais proporcionada em relação à desigualdade entre classes, castas ou estatutos sociais autodotados de privilégios especiais e diferenciados, abusivos muitos deles. E um facto é notório, espantosamente desmesurado: hodiernamente há um País que se torna escandalosamente preponderante e hegemónico. Pois é, falo dos EUA. A força bélica desta nação atinge uma grandeza, associada a um poder tal, que pode e consegue aniquilar qualquer outra força adversa, destruir, invadir, dominar, enforcar (sem se dar ao trabalho e à infâmia de efectuar o acto mortal em seu nome) e banir do mapa qualquer líder político, que não se queira manter debaixo da sua área de influência dominadora. Esta força hegemónica gera outras forças antagónicas, as que ora conhecemos, e revestem movimentos suicidas que a vão minando e enfraquecendo até à sua implosão, estando mais do que provado que nenhum imperialismo é eterno.
Será esclarecedor analisar donde vem a sua força: ela advém sobretudo do domínio fiscal sobre os contribuintes, o verdadeiro instrumento financeiro que sustém toda a máquina bélica, a que não é alheio o domínio mercantil, variante adjuvante na orquestração das receitas necessárias para equilíbrios orçamentais enormemente pesados ao tributar os rendimentos do trabalho somados aos impostos pagos sobre os bens e transacções mercantis. No caso dos USA, este País beneficia da cotação referencial da sua moeda, do estatuto de ser a moeda de troca em todo o mundo, de ter sido transformada em petrodólares nas transacções do ouro negro, e de inflacionar todo o mercado em seu proveito próprio. A Banca mundial aí sediada domina os continentes, impõe regras e especula, regula e desregula a seu bel-prazer os mercados, pode até emitir as notas que lhe apetecer e manter assim os mercados em total anacronia, sem ninguém saber ou poder conhecer irregularidades ou mesmo falsidades. No entanto, os bens imateriais, os lucros empresariais, as mais-valias da bolsa e acções financeiras vivem em paraísos fiscais, por enquanto, numa revelia legalizada de toda a ética e justiça social, quando deveriam ser as empresas a suportar todos os custos sociais. O sentido do esforço contributivo está invertido, e, mais cedo ou mais tarde, terá de ser invertido. O verdadeiro socialismo é este agora apontado e mais nenhum. A Economia ensinada nas Faculdades devia começar por este pressuposto, e ao Estado devia competir a repressão tenaz da fraude, da corrupção e da fuga ao fisco assim constituído. Os idealistas mais puros advertem desde o século passado para a falta de lógica humanitária nestes gastos – dado que deveria servir para fazer avançar a humanidade com opções programáticas de facto destinadas ao progresso social: erradicação da pobreza e da miséria em todo o mundo. Há países que reduzem a cobrança de impostos às Empresas instaladas em vários outros, prejudicando nas receitas fiscais os que as acolhem, e as deixam prosperar à custa do trabalho alheio, como se o mundo fosse uma selva onde o animal mais feroz é o mais temido e reverenciado. Bertrand Russell propunha um governo à escala planetária para se atingir o objectivo duma paz mundial para sempre. Mas os poderes instalados subordinados ao poder financeiro e, na escala descendente, o económico bloqueiam tudo e todos para esticarem o seu domínio até quando e onde puderem; e até agora não houve grandes incómodos ou impedimentos no sentido de se fazer regredir este estado do percurso actual, crescentemente ignóbil. A política é-lhes subserviente praticando uma dança de cadeiras nos corredores dos parlamentos dos respectivos países interdependentes – e não se sabe nem se vislumbra com facilidade até quando esta tragédia civilizacional vai durar. Na certeza, porém, de que uma civilização assim programada não tem futuro a longo termo. Ela avança a passos acelerados para o declínio e para a implosão apressando cada vez mais uma nova era.
Voltando ao passado nos âmbitos cultural e artístico, houve essas ditas esplendorosas civilizações sem nunca se desvendar o que aconteceu ao bicho homem subjugado. Até pareceria crível que a humanidade não é um agrupamento global de seres humanos interrelacionados por uma aceitação e estabelecimento de princípios duma Justiça e duma Moral intervenientes numa ordem universal regrada com o objectivo de se corrigirem costumes imorais, condições sub-humanas e circunstâncias degradantes, essas, que levam à falta de dignidade humana - a miséria crescente numa pobreza avolumada, a má formação educativa do cidadão e o abuso de direitos e deveres fundamentais; estes são cada vez mais denunciados por acções interventivas nos meios independentes de comunicação públicos e livreiros com resultado para já restrito, difundidos pelas voz e escrita das minorias que assumem vanguardismo ideológico; estas alastram na justa proporção oposta à dominante: tanto mais avançam quanto, no sentido contrário, são coarctados ou impedidos de vingar os ideais e as linhas programáticas reformistas ou revolucionárias; e o caminho é sempre o mesmo: há que seguir em frente na defesa da realidade ansiada plasmada no futuro a que temos jus, e que se vai revelando e definindo, pouco a pouco, mais determinante e tenaz, por mais falácias que se propaguem com recurso à perversão mental, implícita no discurso dos mantedores do conservadorismo institucional e da tradição imóvel social.
Esta história já é conhecida de todos vós, felizmente!… Apraz-me aqui e agora esta reflexão: estarei a proferir as tais diabolizadas bocas lapalicianas, essas que servem de ridículo a quem as faz, só porque não trazem nenhuma novidade? Acho que não será bem assim, porém se as digo é por que, não parecendo, elas conduzirão o pensamento até ao fim do que me proponho articular subjacentemente por termos ínvios e atalhos inesperados. Sumamente, mexer com os neurónios de modo a ligar-lhes mais um fio condutor de relacionamentos e elementos associativos abstractos. Esperando muito sinceramente que não se funda algum fusível encefálico e o recanto molecular da sabedoria fique às escuras predominando nele o conhecido humor negro que eclipsa qualquer sol de boa catadura.
Tanto quanto sabemos de mais notório, o estatuto cultural dos vanguardistas, que fazem avançar as comunidades, pede o recurso à Educação e à Formação colegiais para fazer despertar consciências, aperfeiçoar e definir ideologias; empenham-se na liderança de tarefas e acções firmes que tendam a produzir avanços no progresso evolutivo dos povos; o objectivo a alcançar é a concretização da ideia de que uma colectividade com identidade deve adoptar um comportamento seguro muito consciente, que lhe garanta (à colectividade) ser a dona e senhora do seu destino colectivo numa organização estatal assim fielmente alicerçada e conduzida, implementada na concretização na cidadania plena.
Aflorando algumas pontes do ponto de vista cultural, as fábulas da antiga Grécia, os movimentos religiosos na Idade Média, recorde-se a Reforma depois do Grande Cisma, a Revolução Francesa e o Comunismo; no primeiro caso contra o Catolicismo dominador do Império romano, e mais recentemente: Marx, Sartre, Bertrand Russell, Becket, Brecht, além de muitos outros merecem uma atenção especial, pois contribuíram, e muito, para que mundo civilizacional evoluísse no sentido do progresso formativo e social, numa consciência universal de que só este acarreta o desenvolvimento económico e o bem-estar dos povos. Houve políticos que apreenderam os anseios reclamados das colectividades e deram-lhe seguimento concretizando-os. Na verdade, a ideologia mais avançada dos agentes inconformados ou dos revolucionários procuraram equilibrar em sínteses, mais ou menos perfeitas, as dialécticas que são intermitentemente equacionadas no debate público, revestindo a forma de proposições baseadas em práticas conhecidas ou tentadas, e por outro lado opostamente, noutro extremo fracturante, em teorias que levavam aos ideólogos a crença de serem úteis e necessárias experimentar com tenacidade determinativa. Todavia, nem tudo acabou por obter o sucesso desejado. Efectivamente, a derrocada do comunismo trouxe grande desconfiança aos cidadãos, descontinuou o progresso para a igualdade ansiada por não haver avanços correspondentes na mentalidade dos indivíduos revelados como cegamente doutrinados; eles representavam em princípio e em teoria as colectividades; porém, a representação morre na liderança, e fica cega e prepotente com o poder que lhe é atribuído supostamente pela comunidade. A evolução psíquica esbarra com a cultura da mente colectiva parada no tempo; esta apavora-se com a mudança, amedronta-se com a diferença, com o salto ainda não experimentado. E é mesmo assim: o homem está eivado de defeitos e deficiências mentais, e os psicoarquétipos não mudam de um dia para outro por meio de um golpe de magia; na verdade, o homem ‘bom’, eleito ou nomeado, para determinado cargo não é forçosamente um bom homem de bem para desempenhá-lo plenamente, e pode revelar-se até um serviçal capataz ou sequaz trapaceiro verdadeiramente pernicioso para o bem da comunidade. Há uma profusão de casos tantos assim verificados que esta constatação torna-se num juízo colectivo hodierno: os políticos actuais não prestam, são interesseiros, egoístas, corruptos, mafiosos, perniciosos, aldrabões, vigaristas. São eles os causadores de todos os retrocessos, além de irresponsáveis por nunca descobrirem qual é a missão que a sociedade espera deles, sem nunca se mentalizarem de que a tarefa outorgada é um serviço destinado ao Bem-Comum, e não um privilégio de que se possam servir para o seu enriquecimento ilícito ou aquisição de prestígio que envolva honras e mordomias não consentidas comummente.
A antroposofia, entretanto, contribuiu muito sabiamente para certificar a evolução do homem desde a sua mais primordial adaptação ao ambiente terreno. Houve uma evolução constatada na alteração física que desde a origem foi aperfeiçoando a sua constituição ao nível corporal e orgânico (esqueleto, órgãos vitais e características associadas). Todavia, ao nível mental espiritual anímica a evolução tem sido assaz lenta, pois há instintos e psicoses que mereceriam idêntica alteração, na ideia precisa de que já não se relacionam com o habitat, mas com a vida espiritual comunitária. O conhecimento do Bem e do Bom que tão bem foi equacionado e discutido na maiêutica socrática, necessita de um novo fôlego e ela idealiza-se já numa minoria de ideólogos vanguardistas como tem sido revelado neste esboço textual. No passado recente, a pena capital e o fim do esclavagismo, concretizados numa boa parte da civilização, foram variantes progressistas no respeitante às assimetrias existentes em Países da vanguarda cultural. Porém, faltam cumprir outros preceitos que enformam os direitos do homem. Falta seguir, na medida do possível as experiências mais bem sucedidas que levaram a cabo o avanço exemplar de alguns povos; elas reduziram ou anularam várias outras assimetrias e condições comportamentais dos agrupamentos populacionais, sobretudo da vida quotidiana (vivência e trabalho) desses homens e mulheres radicados em algumas regiões do globo. Demorará muito a que o movimento se expanda? Não sabemos com exactidão, mas que lá chegaremos restam-nos poucas dúvidas. Esta crença é comprovada pela natureza dos fenómenos socias ao longo da História; e os esforços para atingir a finalidade podem ainda fazer correr algum sangue na pior das expectativas, contudo, na Terra o sangue vertido por melhores causas humanitárias deu sempre bom resultado. Por isso, tudo isto, visto do alto da montanha, será um desperdício, totalmente vão, julgar que estamos derrotados mesmo quando em certas zonas habitadas há recuos ilógicos ou recessões civilizacionais contrassensuais, e é um exercício perverso ao nível da absurdidade contranatura. No entanto, esta esperança assim contextualizada parece contradizer o que é aceite por um antropósofo conhecido da nossa geração (leio neste momento George Steiner). A sua crença de que o homem manterá o gérmen da destruição na sua essência natural ainda nesta civilização hodierna e actua sempre em períodos de crise, a seu contento num egoísmo feroz, nega qualquer evolução da humanidade. Ela tanto pode adoptar períodos de tolerância em períodos de abastança, como pode ver no homem o seu pior inimigo em épocas de carência; ambas as atitudes são possíveis e estão latentes na sua mentalidade. A ser assim andaremos até ao fim desta era civilizacional a viver entre estas duas forças antagónicas. Na verdade, se Hitler tivesse concretizado a construção da bomba atómica antes de ser ter suicidado, era muito bem possível que teríamos a humanidade dizimada num simples acto de loucura no desespero final da causa falhada. Não haveria nenhum deus certamente que nos pudesse valer.
Ainda culturalmente, já que pomos a ênfase na educação formativa, a popular, ora insuficiente, o neo-realismo português não trouxe nenhuma revolução cultural nem regeneração política definitivas. A grandiosidade da política portuguesa apenas teve um pico na ocasião da ínclita geração (II dinastia monárquica). E se as abriladas de 1824 e de 1974 pareciam fazer alguma diferença, pouca diferença foi produzida. O povo não está educado nem formado para agarrar as rédeas do seu destino e fazer dele um estandarte para seguir em frente na tarefa de lutar pelos avanços sociais. Certa esquerda mais avisada sabia disso quando se empenhou na educação popular logo a seguir à revolução dos cravos florescida nas ruas de Lisboa. A burguesia gozou com essa pretensão, bloqueou quanto pôde a sua acção, torpedeou, difamou, e hoje vemo-la a regredir pela ironia do boomerang, uma ironia que até parece castigo urdido pelos deuses deste mundo financeiro, associado ao económico preponderante no circuito das empresas multinacionais, conduzindo a mole humana para a pobreza a que já não falta uma miséria galopante, que aos políticos deveria envergonhar por serem ignorantes quanto ao seu papel interventivo na condução dos povos. Governar um País não é o mesmo que gerir interesses particulares dum grupo de apaniguados. Pode ser que à burguesia, traída e vilipendiada, lhe sirva de lição, assim como ao povo que vota enganado, e agora até se sabe que será invariavelmente ludibriado. Contudo, se não servir de emenda então que se realize o desejo do nosso eleito Primeiro-Ministro, eleito por um monte de promessas incumpridas: que emigrem, que adoptem outra nacionalidade se quiserem viver decentemente e se muito bem lhes apetecer. ‘Que se danem o povo e a burguesia’, assim dito pela linguagem mais comum. E nessa eventualidade ficarão os banqueiros e os seus apaniguados, as multinacionais e as grandes empresas, protegidas pelo eleito governo constituído pela oligarquia e da plutocracia reinantes; ficarão neste couto portucalense os boys dos partidos a devorarem-se uns aos outros até roerem os seus mesmos ossos num exercício exemplar de autofagia. É mais original (um exemplo da sua negação completa) que haja um País só com lobos do que este assim assinalado com alguns lobos e muitos cordeiros resignados e prontos ao sacrifício colectivo desta insuportável agonia obscena.
Verão de 2013
Armando Figueiredo