LITERATURA PORTUGUESA (E LUSÓFONA)
Rodrigo da Silva
A essência da Literatura está na polivalência do signo linguístico a nível terminológico aliado imprescindível na relação dos segmentos vocabulares ou da sua proximidade na transgressão das normas antecedentes, as quais, até esse momento criativo, prevaleceram como virtuosas, deixando então de imperar; é nessa hora que aparece o novo conceito, a novidade, a originalidade. Isto que acontece é aceite por todas as Literaturas mundiais, e não por consequência uma visão unicamente hemisférica.
A semiótica é um recurso para a exegese, e a análise da concepção um bom motivo para a paráfrase que alimenta os ensaios, as teses e a crítica mediática. É por isso nestas áreas do saber que a crítica se expande, e os tratados acerca duma obra sendo distinta das anteriores, ganham forma e conteúdo, e tende a aprimorar-se nesse ensejo com a finalidade de consagrar um autor notório pela sua criatividade expressa nos intra e intertexto plasmados na tessitura literária, que lega muito conscientemente. Não admira, pois, que o autor sabendo que é original, saiba também que mais tarde ou mais cedo irá consagrar-se, dê lá para onde der. E ainda que modestamente (com alguma bonomia caracterizadora dos artistas verdadeiros) se diga desconhecedor do seu futuro, ele sabe intimamente que tudo é uma questão de tempo pelo modo como se afirmou, se não houver nenhum apocalipse sobre o seu lugar no planeta. A falta de celebridade não o incomoda, pois que só a pode garantir a quem eventualmente o lê ou ouve: “não sabeis o que perdeis, mas não é por causa disso que me vou ralar“; diria tal assim, ou teria dito, se o não disse, e bem teria dito se o dissesse, Luís de Camões ou Fernando Pessoa, mal conhecidos na sua época, a não ser por admiradores muito próximos, todavia sem grande poder mediático para efeitos de notoriedade imediata (lembrem-se também do caso do poeta Baudelaire e do novelista Kafka, além de alguns mais, que afinaram por este padrão, assim como Van Gogh e Modigliani na Pintura).
Contrariamente ao atrás dito, essas vicissitude aleatória e problemática específica não aconteceram a todos os escritores e poetas (e doutros quadrantes artísticos). Bocage celebrizou-se pela sua aparição em salões, tabernas e praças públicas de Lisboa, locais onde exibia a sua mestria poética, igualmente associada à arte de representação; Almeida Garrett desfrutou de ser do mesmo modo do facto de ser um político interventivo no governo e no parlamento, Camilo Castelo Branco evidenciou-se pelos escândalos de que foi protagonista, associado ao pendor de escritor compulsivo - o único que viveu do seu trabalho literário, Aquilino Ribeiro por viver no meio dos homens influentes da cultura do seu tempo com uma actividade política muito polémica, a qual granjeou impacto na celebrização do seu carácter. E há mais: Eça de Queirós beneficiou do seu estatuto diplomático para dar a conhecer a sua obra romanesca, para além, evidentemente, de a ter alicerçado na ousadia renovadora demonstrada nas «Conferências do Casino» e na Questão Coimbrã. E a honrar este elenco de clássicos citemos ainda Vergílio Ferreira, professor com percurso muito distinto, assim como Cardoso Pires, Saramago e Lobo Antunes, sem esquecer David Mourão-Ferreira (este por um trabalho primoroso na expressão e na construção formal literária), e o mesmo se pode dizer de poucos mais. Enfim, também não os revelo, porque deixo ao leitor o prazer da descoberta.
Cada um destes artistas literários foram, à sua maneira inovadores e renovadores da Língua, com especial importância para Luís de Camões (destaque-se a introdução de numerosos vocábulos na Língua de origem erudita pelo Latim, desenvolvimento de novas formas e estruturas, assim como um imaginário genial), Almeida Garrett com a transladação da oralidade para a escrita, Eça de Queirós pela transmigração da semiótica inovadora e a construção de uma genial ironia validada globalmente, Aquilino Ribeiro prosseguindo na esteira de Camilo ao novo tratamento dos regionalismos, os quaIs, até aí, eram considerados defeitos de linguagem, altamente reprováveis. Acrescentemos com um grande aplauso a aparição de Vergílio Ferreira com uma linguagem nova, e Fernando Pessoa que inventou novas formas de expressão literária na Poesia e no Ensaio (o «Livro do desassossego» é um tratado deslumbrante neste sector específico e neste género).
A essência, repito, finalmente, está na estilística aliada à criatividade duma semiótica inovadora ao nível do signo linguístico ou da sua relação com os demais em cada segmento, frase, capítulo e texto completo, receptor de ecos da intertextualidade inerentes a toda a obra produzida, ou pelo menos numa determinada fase bem delimitada do percurso artístico. Há todavia ainda outros valores que contribuem para a relevância: a cosmovisão expressa, a sua idiossincrasia, o seu conhecimento feito de muitos saberes que enformam a sua expressão escrita. A sua apreensão pelo leitor revela com que coordenadas ele se orientou ao deslumbrar-se com um mundo novo ou renovado.
Discorro da Literatura portuguesa, porque da lusófona também há, como sabemos, exímios escritores modernos que transcendem os seus limites geográficos - e cito só a propósito, dado que há uma galeria de nomes muito mais vasta: Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Mário Quintana, Luís Bernardo Honwana, Luandino Vieira, José Eduardo Agualusa e Mia Couto. Aos níveis sintácticos, lexicais, conotativos, mesmo até morfológicos, os escritores do mundo lusófono trouxeram à Literatura uma imagística espectacular com um sabor exótico inimaginável anteriormente.