O GRAU ZERO DA CULTURA
Por Rodrigo da Silva
Caio na tentação de falar da antiguidade clássica e vejo que é em vão o meu esforço, investigação e trabalho. E afirmo-o uma vez que estamos num estado cultural que poderia apelidar-se de O Grau da Cultura Zero. Convém dizer, desde já, que não estou sozinho nesta qualificação. Nem estarei futuramente.
Que importa a estes veraneantes (deste estio excepcional a servir para bronzear a pele branca) que o Império Helénico, há 500 anos antes de Cristo, implantou os princípios, as sínteses filosóficas e políticas aproximadas das verdades eternas da nossa civilização até meados do século passado, assim como a época do Império Romano, perdurando durante mais de meio milénio, isto é, antes e depois da Era Cristã, (264 a.C, até 315 d.C), constituíu os fundamentos do Direito e da Administração Política que evoluiu até aos nossos tempos, e ainda, como além disso, o advento e desenvolvimento do Cristianismo que procurou moralizar normas e costumes de quase dois milénios, e acrescente-se ao rol ainda o impacto da Revolução Francesa que apregoou ser defensora de causas nobres, tais como os direitos à igualdade, à fraternidade e à solidariedade; e mais ainda por fim a Ideologia da Revolução Soviética que quis tornar todos os seus concidadãos iguais perante a lei e os homens, retirando privilégios a quem os tinha numa desproporção desmesurada, confiscando propriedades que pertenciam pelo direito civil anteriormente implantado a senhores feudais; todo esta actividade cultural com a intenção de nivelar todas as classes sociais no escalação máximo da prosperidade e no progresso económico, ambos utópicos como se comprovou com o desabamento dos seus alicerces normativos, mal geridos, como é próprio da natureza humana. Pois foi, e é esta a nossa cultura recebida e apreendida afincadamente e sem relutância, por nós sexagenários, ou heptagenários ou octogenários, que ainda por cá andam decepcionados por vivermos no mundo em que somos obrigados a viver, com bastante desencanto pelos retrocessos cívicos e humanos cimentado em toda a sociedade a que pertencemos, sem com ela nos identificarmos a mais de noventa por cento na escala do seu estado comprovado diariamente.
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Que importa a estes pacatos cidadãos europeus, sobretudo os da orla mediterrânica, a estes latinos com fogo na guelra quando se trata de discutir com o vizinho ou com alguém com quem antipatizam, e gritam e ovacionam um golo marcado pelo craque da sua equipa de futebol, doidinhos pelas peregrinações milagreiras a lugares de culto feminino virginal, ávidos entretanto pela ida à praia onde se põem de barriga redondamente lauta, exposta assim lagartamente numa preguiça bestial, ao sol, ao deus Rá, ali, a sacrificarem-se, com um prazer masoquista, para o bronze que lhes dá um aspecto de saudáveis médio-burgueses, e ouvem entusiasmada simultaneamente os sons das músicas pimba e mixordeira (quanto mais kitsch melhor!) que a Televisão e a Rádio não se cansam de repetir, e eles imitam-nas quando estão no duche, ou a festejar, em grupo de amigos e amigas, num aniversário, numa festa sem motivo claramente justificável, ou em qualquer outra ocasião que se proporcione para mais uma bebedeira das antigas com a maior possibilidade de ficarem inconscientes e de não se lembrarem de nada da noite anterior, nem do que nela aconteceu, na ressaca do dia seguinte, confusos, mal dispostos e desejosos de mais ums das doses duras, cocaína, LSD, heroína, morfina, ou da úlima síntese psicotrópica aparecida no mercado dos alucinogéneos.
Que importância tem saber que o mundo tem um futuro muito incerto e demasiado problemático, até altamente perigoso, cheio de armadilhas e ciladas, e que a política democrática se transformou em demagogia mais ou menos ditatorial, refinadíssima, exibindo a sua podridão cheia de merda à descarada, sem vergonha nenhuma por se expor aos escândalos do vergonhoso costume: o roubo, a fraude, a corrupção, a burla, a viciação de documentos, a falsidade na muita e confusa (de propósito) papelada oficial, e a promessa nunca cumprida uma nova orientação inconsumada? Pois claro nada importa a ninguém… As pessoas perderam o sentido clássico da Crítica, da Virtude, do Bem, da Temperança, da Honra, da Humildade, da Honestidade, do apego à palavra dada, do serviço público quando ingressam no funcionarismo do Estado, do orgulho de preservar para sempre um bom nome, que as distinguia, e ainda distingue para nós mais ou menos velhotes, numa sociedade já acabada e respeitada com a qualidade atribuída cerimoniosamente em datas de consagração de cidadão exemplar. Hoje até se condecora um vigarista e um ladrão, descoberto mais tarde como tendo-o sido. O que é preciso é que seja do partido político no poder, ou seu afecto. Abundam por aí os ladrões e vigaristas impunemente, porque a Justiça também está a ser beneficiada pelas luvas, protecção e progressão na carreira que recebem deles, dos artistas profisssionalizados ao assalto em estilo da gatunagem do erário público, que sacrificadamente os cidadãos comuns, que não mantêm contas em off-shore nas ilhas do camaleão, um erário comum que estes contribuintes, actuanntes na mais pura legalidade, mantêm já nem sei como e já também não sei até quando... Repito, já não sei até quando, pode ser apenas até amanhã ou depois-de-amanhã!
Estamos, bem me parece, no grau zero da cultura, e aquela que foi recebida até há meio século atrás, foi aplainada pelo instrumento da avidez, da ganância e da competição; pela delinquência, pela esperteza saloia ou pacóvia, e fundamentalmente por uma escola de experiência feita por ladrões de colarinho branco ou preto, subsidiários da criminalidade mais violenta, inscritos em partidos políticos, à margem duma Justiça elaborada a seu favor por reverência e interesse mútuo!
Que importa estarmos para aqui a querer tomar posições críticas de modo a elucidar e a querer fazer reflectir os companheiros desta viagem Terra-Céu, sobre os cancros que minam valores que respeitamos, as melhores virtudes, os melhores princípios básicos morais e filosóficos que deveriam nortear a Humanidade Por certo, poucos lêem o que escrevemos e os que o fazem, praticam-no por solidariedade saudável, e tentam incentivar-nos na prossecução dos objectivos a que nos propomos com o valor duma bandeira hasteada da e pela nossa vida.
Porém caio no desânimo, e não sou só eu; sei, pelo que leio, que outros sentem, pressentem e preocupam-se com os mesmos problemas, e são até pessoas com muito mais conhecimento especializado nestas matérias do que eu. Quem não se lembra da célebre expressão do padre missionário Afonso Lopes Vieira quando disse na sua pregação que estava a falar para os peixes. Para os peixes, não para pessoas: pois as pessoas tinham obrigação de ouvir, ler e especialmente interiorizar os conceitos nos quais baseava o seu discurso impecável, preponderantemente vernáculo, do melhor que até hoje existiu na Literatura Portuguesa, continuando ainda hoje a ser um Mestre exímio, admirado e venerado na Língua e na Oratória das gerações do meu tempo e de outro ainda mais recuado.
Que importa o que escrevo? Pouco, muito pouco, levando em consideração que estou num espaço virtual, mas também físico, e tecnológico, onde abundam milhões e milhões de leitores e interventores em inter-acção permanente. Os portais de pornografia abundam e atingem recordes de audiência, fazendo florescer a Indústria da demência comportamental com mentecaptos em progressivo número num consumo inconcebível.
Terei eu, ao lado dos milhões de consumistas porno-sado-masoquistas, atingido um milhar de leitores atentos e assíduos (?), pondo de fora os esporádicos, esses que de vez em quando vêm cheirar um ou dois ou três parágrafos para analisar liminar e displicentemente para que lado é que estou virado na escrita, e avaliar o meu humor da ocasião. E com esse milhar e tal tenho de me contentar diariamente. Em três meses e com um altérnimo desconhecido obtive mil e quinhentas visitas a cada crónica (que são densas e incómodas, concordo), excluída desta asserção particular (até hoje irrevelada), o meu blogue de poesia com o nome de Daniel Cristal ; esse com dois anos já vai nas 12.169 páginas consultadas, efectivamente lidas, segundo o registo do contador apenso na margem direita. Quando entrei na Sala de Poetas de Efigénia Coutinho as visitas dispararam para o número dos milhares, diariamente, o mesmo acontecendo no Jornal de Cabo Verde O LIBERAL, o jornal digital mais lido no mundo luso, segundo me confidenciou a certa altura, ao falar da minha colaboração, o poeta Nuno Rebocho, um dos seus dirigentes. A audiência no jornal haveria de ultrapassar o milhar de leituras diárias. Mas isso é uma ninharia, quando vejo outros websites, blogues e portais, com muitas dezenas ou centenas de milhares de páginas visitadas por processos engenhosos de marketing mediático, que eu desconheço; ignoro como isso é feito, e também não estou nada interessado em saber ou conhecer esses saberes. Fazer propaganda dum autor por si-mesmo é para mim um acto indigno! Definitivamente indigno! É como pagar uma edição dum livro em papel às suas próprias expensas, como muitos fazem; e ainda que os mesmos achem que é isso que lhes interessa e convém, por razões pessoais, pois então agora vos digo sinceramente: não tenho nada a ver com tal procedimento, nem nunca estarei desse lado. Já me ofereceram edições a dois, no Brasil, e eu recusei por achar que só perderia com isso em prestígio e consideração literária, ainda que não gastasse um cêntimo na edição de tais livros em papel vulgar. Perdoem esses generosos pares da poesia, esta minha asserção; perdoem porque é sincera e em nada os desprestigia porque os deixo anónimos do público meu leitor. Acho até que a poesia não é para ser vendida a ninguém, nem ninguém a compra por achar que ela não contribuí em nada para a sua felicidade (com amargura vo-lo afirmo porque é o contrário do que considero); a maioria da mole massa humana tem é problemas de sobrevivêmcia quanto às suas necessidades básicas, mas, havendo Internet, pode ser fruída por toda a gente que gosta dela e até não pode deixar de viver sem ela. Com pesar vos digo: a poesia é um luxo servido para ostentação, e é para é para ser comprada por gente desafogada que gosta de ter colecções caras, em belíssimas encadernações, de autores consagrados expostas nas estantes das estantes particulares, embora nunca os seus compradores tenham lido um poema com atenção, e é comprada pela Burguesia endinheirada. Neste sentido digo: cada um é como é, e eu não serei um exemplo para toda a gente nestas coisas de pessoal investimento literário e poético, nem me meto em aventuras desastrosas. Também preciso de dinheiro para gozar a vida como me aprouver, em vez de o deitar fora, num acto comparado com o lançar diamantes a porcos, perdõe-se a imagem exacerbada e a comparação desproporcionada.
Na verdade, sou leal e fiel apenas nesta área poética-ensaística-literária aos que me procuram no seu próprio interesse, seja ele qual for, aqueles que gostam de me ler, mesmo que seja só por simpatia, ou seja por que razão for, e saúdam-me com palavras empáticas, outras simpáticas e generosas nos livros de visitas dos meus blogues ou nos dos websites onde tenho colaboração editada. Nada mais conta no que me diz respeito. E já é bastante para mim, humilde servo da gleba na lavoura literária e actividades afins. Dantes dizia-se que o pobre era orgulhoso da sua pessoa, quando era digno de se sentar ao lado dos seus iguais. E, contrariamente, o rico tinha vergonha de o ser, quando não era honesto e ninguém o respeitava. E assim é que estava e está bem a ordem da diferenciação humana.
A humanidade, repito-o, atingiu o grau zero da cultura. Há neste momento uma pós-cultura como muito bem disse o excelente antropósofo George Steiner nas suas obras editadas. Com efeito, três delas estão traduzidas em português. Ele crê no seguinte: há uma cultura actual, que nega e rejeita a anterior, sendo-lhe até propriamente indiferente e alheia na maioria dos casos. Para estes caminheiros que se cruzam todos os dias connosco, tanto se lhes dá como se lhes deu o que fazemos! ; a cultura erudita anterior e os seus cultores são-lhes definitivamente indiferentes e indistintos e as suas obras não contêm nenhum valor...
Quem, no seu perfeito juízo, não reagiria às tentativas de destruição da civilização ocidental? Eu acreditava que reagiriam, hoje já não acredito. Se todos estivessem com a cabeça bem ventilada e oxigenada, talvez se pudesse dar um jeito no que anda quase inteiramente torto, e, agora que se faz tarde, será muito difícil de endireitar, mas não é isso o que acontece ou acontecerá. A alienação e o alheamento têm certamente lugar no desinteresse pleno e quotidianamente constatado, a todos os níveis e áreas da sociedade presente. Atentem por exemplo no ataque inqualificável às Torres Gémeas (o centro nevrálgico da Finança nova-yorkina) e ao Pentágono (centro do poder militar), apenas escapando o Capitólio (por ter sido abortado pelos corajosos viajantes (alertados para o que estava prestes a acontecer, que lutaram contra os terroristas e pereceram todos na queda da avião, evitando a colisão sanguinária); atentem também nos massacres em quase toda a África central, nos homens-bomba talibans da Al-Kaeda, para termos hodiernamente a certeza que o fanatismo em voga não respeita o direito à vida humana, o princípio mais sagrado deste mundo, por intermédio dum horroroso sectarismo fundamenalista; uma seita religiosa cheia de fanatismo, um movimento coranista inacreditável, pervertido, para todos os cidadãos deste planeta, que arrasa o que é mais divino e humano neste mundo. Como foi isto possível acontecer, e ainda é? Foi-o, e é-o, desde há 15 anos a esta parte, com outras acções semelhantes até antes desse mediático evento, porém, com menos visibilidade e aparato, e a civilização ocidental alheou-se e alheia-se na prática deste realidade, e anda entretida e entusiasmada com o futebol, com o sexo praticado a torto e a direito, mesmo que haja desamor, ou falta de amor, ou brutal desejo libidinoso; entretida ademais com o fervor por uma fé que traga benefícios pessoais aos que sofrem nas mais variadas vicissitudes e contrariedades (na doença, no estresse, nas deficiências físicas e mentais, e sidera-se apaixonadamente pelo divertimento com os seus ídolos (superficial e transitoriamente mitológicos – duram apenas dois ou três anos, um lustro se tanto! e logo desaparecem!); é a sociedade consumista em todas as áreas humanas; são os mitos do presente: os nomes famosos para o Bem e para o Mal, tagarelados numa fofoquice quotidiana, oca e vazia de valores e virtudes. Para culminar este quadro não convém esquecer: há nesta comunidade medíocre, atoleirada, um espanto incontornável pela criminalidade violenta, sem ninguém a atacar bem de frente e sem se importar com as suas causas, elas são muitas e variadas: desemprego, miséria, fome, educação e formação distorcidas do seu melhor objectivo), uma admiração lastimosa pela política partidária, esta partidocracia, que não olha senão aos interesses dos seus apoiantes (os boys) de aparelhos politizados, profissionalizados na escola da malandrice, concorrentes à conquista do poder para governar a malta imbecil e alienada cá do sítio (onde tacitamente estou incluído, mas à minha maneira - vou reclamando e advertindo); no fundo da questão, confrontamo-nos com uma política perversa e distorcida que apoia os mais ricos e mais abastados do planeta, em detrimento dos que carecem de apoio seja ele em que actividade for. O Futuro que aí vem é uma tremenda equação enganosa, digna dos sofistas gregos antigos. Ele (Futuro), exposto como está, é uma utopia mentirosa que oferece a felicidade prometida a todos os orelhudos com uma palheta colocada ao lado de cada olho. Efectivamente, é-nos jurada em cada mês ou ano a concretização da promessa incumprida: ou seja, é-nos pintado um País de maravilhas onde todos são dignos uns dos outros; só que, contudo, não aconteceu nunca, nem vai acontecer jamais, porque a realidade foi sempre escondida e negada e é convictamente inexistente. Também eu vou caindo nesta barrela, e, se calhar, sem nunca mais me poder levantar!...
Quando a horda “bárbara” aparecer por aí, destruindo todo o produto duma civilização com a justificação de que são eles, os próximos, cada vez mais próximos “bárbaros”, os detentores de toda a verdade, aparecendo por aí com um Corão na mão mal traduzido e pior interpretado, com gurus loucos com a espada na outra e com cintos carregados de bombas, enquanto não obtiverem ogivas nucleares, oxalá eu já cá não esteja para ser submetido a tal subjugação e humilhação; todavia, lá isso é verdade, e deve ser este um sentimento generalizado: aflijo-me pelos descendentes que deixo por cá, neste peregrinação que me coube pela graça divina, assim como me dói a sorte dos meus amigos, nessa ocasião, e de toda a gente neste mundo que me proporcionou alguns prazeres simples esplendorosos gozados com todo o amor deste mundo; e no outro mundo sentirei certamente pena deles, se a tal forem sujeitos. Na verdade, vai ser muito doloroso assistir à queda desta civilização que teve períodos áureas nas Letras, nas Ciências, na Filosofia, na Arquitectura, na Escultura, na Música, no Taetro, na Poesia, na Sétima Arte, pois foram inúmeras as fases esplendorosas, as quais jamais deveriam cair no olvido e que fruí com a máxima satisfação.
Contudo, e se eventualmente tudo correr mal, a putativa fogueira que se acenderá pelas hordas sanguinárias, em conformidade com o que se passou noutros tempos medievais da má memória ocidental, até mesmo aqui nesta Europa de que falo com respeito e paixão, ela (fogueira) encarregar-se-á de reduzir a cinza e pó a produção cultural que foi admirável e exemplar, partilhada por tantas nações que progrediram e prosperaram durante pelo menos meio milénio! E é este um período da Humanidade assinalado por progressos inimagináveis há quinhentos anos em todas as áreas do Saber e da Arte, com excepção de alguns anos mais infelizes imerecidos, tendo estes acontecido sobretudo na época da Inquisição, e na disputa e conquista de territórios alheios, prática corrente nesta Europa outrora aguerrida, é este, repito, o período da Humanidade da Arte e das Ciências, que vale a pena destacar com orgulho e vaidade por quem não renega o passado; e ao contrário do que é praticado hoje, o enaltece com entusiasmo e ardor. E até breve com a continuação do teor desta crónica na 2ª parte da espiral da quadratura.
2010-08-09
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(Crónica atrasada na edição por estragos no meu PC, vírus e limpeza do disco - há já uma nova crónica escrita que será editada muito brevemente, depois de alguns arranjos finais nas notas e observações, assim como na indicação de obras para pesquisa)