A QUADRATURA DA ESFERA
Por Rodrigo da Silva (2010)
Proponho-me escrever e garatujar por semana uma ou duas minicrónicas. Deste modo, e assim como vou semanalmente à piscina (neste caso, três) ou ao Supermercado (duas), mas não ao cinema que não vou todas as semanas, talvez mensalmente, se muito (os filmes são cada vez piores e apenas servem para ver comer pipocas), falarei de tudo o que me vier à tola (nunca tôla até hoje, bendito seja Nosso Senhor! E assim Deus me conserve por muitos e bons anos sem muitas maleitas – haja Nossa Senhora); quiçá tanto quanto os neurónios permitirem, e tão pouco quanto meu poder de síntese mo consentir, tendo o cuidado, ou levando em atenção, que o que aqui vai dito e irá expresso não seja rejeitado pelo leitor disposto ao entretenimento ou ao consolo, às vezes trazido pela necessidade oculta da palavra conhecida, com que se vai familiarizar; vai-se aconchegar com o prazer da imagem, o gosto da emoção, a carência do hábito (é como um vício) e o amor pela solidariedade numa companhia irmanada. De facto, a Net é um espaço viciante, porém é uma ajuda para quem sofre da solidão. Na verdade, alguma dela dói que desespera. Quatro parágrafos (ou uma quadratura) de cada vez, numa peça textual como se fosse um silogismo lógico com mais uma premissa onde se arredondará esfericamente a solução do gatafunho mais espasmódico. Vocês, amigos, que gostam de replicar em «feed-back», elogiar e criticar, dir-me-ão se o projecto vai-se cumprindo e se está ou não a ser bem sucedido.
Hoje acordei ensonado, não é isto uma novidade por aí além. Só durmo três ou quatro horas por noite. Logo que me levanto assento arraiais no meu escritório, leio e escrevinho, começo pelas três ou quatro horas da madrugada, tomo uma refeição ligeira, um litro de água, sumo de duas laranjas, café com leite, um pão torrado com pouca manteiga e recheado com queijo e marmelada (alterno com fiambre) e fumo uma cachimbada com tabaco holandês aromatizado. O frugal repasto faz-me aguentar o estômago (há quem lhe chame a minha trituradora por ensacar comida a rodos quando a ocasião é de festa) até ao almoço sem sentir fome; e nesta refeição como um soldado na guerra; de maneira que distingo bem o erro que cometem, é que as aparências enganam o mais finório. Realmente. no dia-a-dia sou sóbrio em tudo. Verdadeiramente, não me dou mal com o sistema, mas, e isto é o mais importante, não dispenso uma soneca de meia a uma hora, à boa maneira espanhola ou mexicana, acontecimento bem respeitado no lar, e ela retempera-me e equilibra-me a alma e o corpo.
E sou feliz assim. Muita coisa não direi, outro tanto fantasiarei verosimilmente, e deveras não me perguntem porquê. Faz parte da parte oculta, a mais misteriosa, que vos dará gozo descobrir aos poucos até mesmo na incerteza. Há coisas íntimas muito íntimas que não se dizem a ninguém, nem se revelam ao recôndito mais consciente do nosso pensamento. Ele saberá refrear o impulso, e controlar a exuberância. Saberá esconder atrás da cortina o que os leitores terão o prazer de ir descobrindo por si nas entrelinhas e nos segredos irrevelados. Promover-te-ei destarte a detective, a aventureiro na busca de outro Graal, ou na procura do tesouro perdido, afundado ou enterrado quem sabe nas Caraíbas (?), lugar de sonho, já que nele se fala, paraíso dos bem-aventurados, que são estes pequenos burgueses em que nos tornamos irremediavelmente, sendo necessário ter alguma habilidade para mantermos este simples estatuto, e é preciso sermos aplicados, recorrer à perseverança e à desenvoltura para o iniciar e desenvolver, quebrando as amarras que nos atrasam quotidianamente e tendem a levar-nos para a indigência, quando falta a coragem e o ânimo para dar a volta por cima a cada obstáculo imprevisto, recorrendo aos meios que a sociedade nos põe ao dispor para podermos ser-lhe útil e valiosos.
Ficarmos inactivos é que não, ver o mundo a passar à nossa frente e ficarmos passivos, impávidos e serenos, é um atributo dos deuses, não dos homens, e esses não precisam de comer, de se vestir (andam alguns desavergonhadamente mesmo em pilota, indiferentes ao meio humano, aos paparazzi, aos vigias, aos detectives, aos espreitas sexualmente tarados, de ter uma casa para constituir um lar, de ter uma boa mulher e vice-versa, para partilhar os sucessos e as derrotas, os altos e os baixos da existência, de reproduzir a filharada querida, depois aturar os traquinas netos amorosos, de pagar as contas da renda, da energia, da água, dos arranjos e de tanta coisa que falta enumerar. A vida é difícil para quem tem de encará-la a pulso, necessita dum grande esforço, é custosa, exige estudo, labor, disciplina e método, aconselha a temperança, e quando a idade avança para a fase final, quando chegar a inevitável reforma ou a aposentadoria, gozar então os passatempos que fomos exercitando esporadicamente até chegar a ocasião. Cuidemo-nos, entretanto, procurando evitar o estresse diário, a corrida veloz contra o tempo, temperar essa competição doentia que nos causa perturbações e doenças mentais e físicas. É, senhores, meus amigos, o espírito que comanda o corpo, e esquecer isto é não salvaguardar o nosso bem e a nossa salvação para agirmos até ao fim sem uma decrepitude dependente e muito sofredora.
22 de Abril de 2010
Obs. (Próxima minicrónica: «Até para nascer, é preciso ter sorte»)