O BEM, O BELO E O BOM
Por Rodrigo da Silva
Qual é a ordem escalonada por prioridades para decifrar esta trilogia
do Bem, do Belo e do Bom? No fundo não há nenhuma, todas estas
qualidades ou virtudes vivem em conjunto amalgamado. O Bom não é o que
vulgarmente apelidamos ao apreciarmos um sabor, um paladar agradável
aos sentidos ou glândulas, um prazer satisfatório ao prazer sensorial.
Uma boa comida, por exemplo, um excelente vinho; essas são valorações
sensoriais, clichés, isto é, banalizadas. Ele é bom porque deu uma
boneca à menina ou uma bola ao menino, dá rebuçados, mima-a/o com
gestos ternos, promete coisas que não cumprirá muitas vezes, havendo
por de trás desses gestos e ofertas intenções ocultas, malvadas,
criminosas, imperceptíveis à primeira vista, às vezes nem às muitas
vistas. Se for o caso dum indivíduo com propensão para a sedução
pedófila, ele não é um homem/mulher bom/oa, é apenas um ser humanóide
astuto, interesseiro, egoísta e perverso. Ele é bom dizem os/as
seduzidos/as, porque deu um ramo de flores à/o parceira/o que o
protagonista tem em mira, sendo a conquista pela sedução e o fim em si
mesmo é seduzi-la/o. Ele é bom porque presenteou o amigo com um
repasto encomendado no Olimpo. Não, nada do que foi dito pela negativa
tem a ver com esta temática, porque nestes casos estão apenas em causa
satisfações de apetites sexuais ou promiscua luxúria e mais nada.
Assim, e ao contrário do que foi dito negativamente, o Bom só tem
sentido se se fundir no Bem. Quando o Bom ama verdadeira e
concretamente a natureza humana e animal difunde o Bem, e faz com que
a benquerença atinja o seu mais conseguido valor.
Acrescentemos ao Bom e ao Bem a Beleza, e a trilogia fica completa
com o seu significado máximo. Beleza sem o Bem, assim como o Bom sem o
Bem, m uito pouco ou nada valem na mais elevada significação. A beleza pode
até conter inversamente a máxima perversidade, quando atrai para
extrair da relação humana o seu máximo proveito pessoal. É a beleza
cheia de individualismo, uma idiossincrasia abominável, aliás muito em
voga até há bem pouco tempo. Hoje parece-me que tende a dissipar-se, e
a acontecer unicamente em casos muitos raros, esses que são por vezes
capas das revistas das fofoquices, e aparecem frequentemente nos
«faits-divers» dos jornais mais popularuchos.
A fusão da trilogia numa pessoa é uma atitude trabalhada que está em
discordância com a trivialidade em que o mundo anda metido numa
confusão desmesurada nesta sociedade competitiva, apressada e
consumista, na maior parte do conjunto estressada.
Essa fusão, dizia eu, é naturalmente a ideal e nem sequer a acho
utópica, porque a sua aliança amalgamada é capaz dos maiores
deslumbramentos e encantamentos; destarte, ela atinge a capacidade de
trocar bens e dons sem cuidar que eles tenham o mesmo peso e medida ou
o mesmo valor. Um acto de amor e bondade desarma qualquer
sensibilidade mais congelada, mas se não conseguir atingir o alvo,
então, é porque o receptor tem uma educação e uma formação totalmente
animalescas (pior que as semiescas). Na verdade também isto pode
ocorrer dada a existência de um gene jurássico que anda à solta por
este mundo, e revela-se em pessoas de condição bastante inferior à
normal.
Considere-se o que tem agora a Estética a ver com tudo isto retroexpalanado.
No início da nossa civilização, o filósofo grego Sócrates não foi
capaz de explicar o Belo em si, mas Platão fez considerações sobre
esta temática: o Belo seria a ideia de perfeição, a mais excelsa
possível, restando para o humano apenas a imitação ou a cópia da
Beleza, o seu total plágio. Por consequência, ele associava o Belo ao
Bem, à Verdade, ao Imutável, numa palavra à Perfeição. Fazer um juízo
valorativo do Belo só se poderia efectuar fora da sensibilidade
humana, e até se alheava dele por estar separado da intromissão do
julgamento humano; colocava até a questão como se a sensibilidade
fosse um acto inteiramente passivo, e estabelecia
uma união inseparável entre o Belo, a Beleza, o Amor e o Saber.
Estes conceitos valeram até ao século XVIII e mais não duraram.
Aristóteles, aliás, ainda nesse tempo antigo, contestou essas noções
estéticas e bastante diferentes das dele (Platão), concebendo o Belo
como uma realidade sensível, separando-a da abstracção, e
encaminhando-a na direcção da sua concretização. Para este filósofo a
Beleza não era imutável, eterna, canónica, e o que é mais
interessante, curioso e importante é que poderia evoluir.
Consequentemente a criação artística submeter-se-ia à égide do
artista, ou seja, ao homem criativo. O Belo aristotélico deste modo
obedece a critérios outros como os das simetria, composição, ordenação
e do equilíbrio. Estes conceitos de Aristóteles não vingaram na sua
época dominada pela filosofia de Platão, e só foram retados no fim da
Idade Média.
Para não me alongar muito, acrescentarei apenas que alguns filósofos e
estetas retomaram estas questões a partir do século XVIII, como foram
os casos de Hume, Burke, mormente Kant.
Na Ásia, Confúcio (anos 551-479 a.C.) também havia teorizado acerca do
Belo artístico no pressuposto de que ele é ontológico. E nesta defesa
referiu-se preponderantemente à capacidade de expressão; podemos
considerar que Píndaro, da mesma época de Confúcio, e, Goethe, já no séc.
XVIII e XIX, revelam que o homem é considerado pelo seu poder de
expressão, pela força da anunciação do que vai no seu imo, de modo a
cumprir o projecto eterno, estando este pensamento em concordância com
uma entidade divina.
E é nesta perspectiva de individualização moderna da Estética que
surgiu a necessidade de separação entre o imediato e a visão mais
ajustada dos sentimentos. É, nesta ordem de ideias, célebre a
referência a Victor Hugo, do séc. XIX, quando enfrentou a morte da sua
querida filha Léopoldine. Neste incidente ele experimentou a maior
perturbação física e anímica causada pela dor da morte, sentimento
intensamente penoso pelo qual foi trespassado; todavia só decorridos
muitos anos, depois dessas emoções serem diluídas pelo decurso do
tempo que avança sempre na direcção do futuro e nunca pára, essas
perturbações psicológica e neurológica, é que reapareceram amenizadas
na sua lírica; elas aparecem com a expressão mais comovente, e são as
mais belas poesias que escreveu com um sentido único e original na
Literatura francesa. Ao conjunto intitulou-o: «Les Contemplations»
(1856).
25-07-2010
(Na próxima crónica equacionarei os conceitos que aqui encaixariam bem
com as considerações sobre Eros no "Banquete" descrito por Platão.)