Segunda-feira, 3 de Maio de 2010

A QUADRATURA DA ESFERA (2)

             A QUADRATURA DA ESFERA

             2. ATÉ PARA NASCER, É PRECISO SORTE

               por Rodrigo da Silva (2010)

 

               Será que tiveste sorte em teres nascido? Já reflectiste bem na tua condição humana? Meditaste no acto do nascimento, no berço que te deu o privilégio de ser um ser vivente, passivo ou actuante, mais ou menos feliz, mais ou menos afortunado?

 

               Com estas perguntas me inicio, na certeza de que tenho reflectido na amplitude de toda a condição da humanidade, abrangendo a nossa civilização. E, por isso, permito-me afirmar que é preciso sorte para se ter nascido. Porque houve consentimento, houve vontade da progenitora de gerar um embrião no seu ventre. Hoje é fácil não consentir gerá-lo (e o pai pode nem ser consultado, uma vez que é à mulher quem cabe decidir sobre essa admissão, ou seja, só ela tem a capacidade de permitir que o feto seja gestacionado, ou não. E também acontece que há azar quando ela admite a gestação sem estar talhada para a missão futura. As bem formadas criam-nos com amor e sacrifício (e nesta circunstância precisam da ajuda dos homens, e eles assim são chamados para participar no todo ou em parte nas despesas e no acompanhamento carinhoso que a criação exige quanto a aspectos fundamentais. Dum modo diverso as mal formadas parem-nos e dão-lhes pouca atenção ou nem os apoiam em nada. Criam-nos como se fossem animais.

             

             Tiveste sorte na mãe e no pai que te geraram? Tu sabes responder melhor do que eu, isto é, melhor do que ninguém. Concluindo este preâmbulo, a sorte manteve-se na área da atitude ocasional, no desejo arbitrário, foi uma obra do acaso, e não pediste a ninguém para nascer, mas nasceste e foste até onde pudeste e quiseste ir com todas essas marcas, chagas ou bênçãos, bem ou mal resolvidas. O ser humano que vais ser, carrega a vivência da meninice e depois continua a definir-se na adolescência. É este o início do nosso percurso existencial e ele é crucial na postura perante a vida quando chegamos à juventude e avançamos pela adultidade.

 

Ora bem, há meninos que nascem em berços de ouro, outros paradoxal e desumanamente nas palhas da manjedoura. É, portanto, preciso sorte ao nascer. Tu és um ser único, ímpar, com uma personalidade ‘sui-generis’ que te individualiza, e é também essa que vai acompanhar-te e ajudar-te a ultrapassar os obstáculos e/ou vencer as ciladas que o mundo circundante te vai prodigamente proporcionar na juventude. Tornas-te independente do pai e da mãe, afirmas-te como homem capaz ou incapaz de conseguir um lugar ao sol e outro ao luar. Os nascidos nas palhas do casebre certamente terão de fazer um esforço hercúleo para se libertar da sua condição. A maior parte (quase toda) não consegue atingir um patamar satisfatório para poder dizer que é feliz, não é capaz de libertar-se das amarras, das feridas, das chagas que a meninice e a adolescência lhe perpetraram por ter nascido num casebre. São estes a maior parte dos indigentes, dos drogados, dos marginais, dos criminosos, dos revoltados com quem nos cruzamos todos na nossa existência enquanto viva. Porque, da morta, não a vou chamar aqui neste articulado. Porém, neste momento tenho necessidade de chamar à colação ou entronizar nesta liça – a Política. Ela foi institucionalizada para resolver o problema: criar as condições para que todos os seres humanos sejam dignos uns dos outros. Mas por azar nosso, ela nasceu num berço cheio dum lodo que é uma boa merda, e não resolveu nem resolve coisa nenhuma. Quando muito, deu e dá apenas um jeito: legisla, sagra o direito à liberdade, à igualdade de oportunidades, à similitude de actuação nos processos entregues à Justiça. Redigiu e redige leis para que houvesse e haja igualdade de oportunidades a todos os cidadãos em todas as áreas, na educação, na formação, no trabalho, nas actividades profissionais, mas apesar de todas as leis serem escrituradas com zelo (e com alçapões à mistura), elas não conseguem em vários casos efectivar o seu cumprimento na prática; preponderantemente aliena os desfavorecidos da sorte, e beneficia quase sempre os que estão já beneficiados pela sorte do local que lhes coube à partida na corrida, e muito especialmente pela força do poder que os governantes e gestores  detêm, ou por força da protecção que recebem destes semi-deuses. A Justiça deveria realmente funcionar, todavia não funciona. Ela protege os favorecidos da sorte, nomeadamente os que nasceram no berço de ouro e aprenderam a conquistar as oportunidades com processos mais ou menos ardilosos. Manhosos. Esdrúxulos. Recorrem a influências dos amigos e padrinhos. Pois, porque é preciso ter sorte, nascer com sorte, ter a sorte sempre ao seu lado. Sorte no sítio onde se nasce, o que é o mesmo que nascer beneficiado pela sorte, ter tido sorte nos progenitores (que vão ser os intermediários na formação do carácter). Sorte na vida. O porte a postura o aspecto a imagem contam e ajudam a que a sorte venha ter connosco, mas depois das contas todas somadas, o principal é o que fica e permanece dentro de cada um de nós, aperfeiçoado no dia-a-dia e desenvolvido pelo estudo e pelo trabalho. Somos nós que nos vamos fazendo progressivamente, hora a hora, no exercício diário variado a tender para o encontro com os equilíbrios possíveis.

 

É da sorte e do azar que falamos. Contudo, sorte, sorte teve Midas que transformava em ouro tudo aquilo em que tocava com os dedos. As pedras tocadas por ele transformavam-se em ouro. Contudo, Midas não é um homem, é um deus mitológico. Os únicos semi-deuses da terra, que com ele se lhe parecem, são os políticos, agora transformados em demagogos, com o aprendizado apreendido nas nossas escolas conservadoras. Os que nasceram quase, quase sempre nos berços de ouro e desenvolveram capacidades e habilidades de prestidigitação passam a líderes. Eles são os nossos políticos caseiros, simpáticos, educados, com porte fino, olhar superior e distante, mas popularuchos quando há eleições beijando tudo o que é bicho careca, as criancinhas sobretudo e sobremaneira; são e serão os nossos benquistos políticos salvadores que naquilo em que mexem com os dedos e desamarram com os neurónios, conseguem daí extrair ouro. E é afinal por tudo o que expresso que este mundo está como está. Os políticos, metamorfoseados em demagogos, dizem que está tudo bem, que nunca o homem viveu tão bem à superfície da terra ( esta Terra, que por azar até está a ficar insuportável e perigosa para nela habitarmos saudavelmente). Mas como são prestidigitadores ninguém acredita mais neles. Há que levar em consideração que passados todos esses tantos milénios, desde que foi símio até obter o estatuto auto-intitulado atributo de «homo-sapiens», e enquanto durou a luta pela sobrevivência neste planeta, o estatuto individual de cada um de nós, suporta e sofre ainda de carências desumanas. O homem ainda não atingiu o seu estatuto de liberdade plena (a mais razoável e responsável), nem a qualidade de vida material e sobretudo a espiritual, fundamentalmente a concordante com a Ética, nossa conhecida, essa que todos certamente desejariam ver satisfeita (até mesmo com o recurso a pouco ouro). Todavia, o melhor estatuto está reservado ao que se entregou profissional ou amadoramente à política e à governação. Está destinado a liderar no todo ou em comparticipação todo o processo da governação sem considerar os mais desvalidos, a eles submissos; submetidos aos mestres da lábia, da retórica, da sabedoria aprendida no exercício da esperteza falha de Ética, seja saloia seja refinada, protagonistas da promessa da criação dum oásis, generalizado, um mundo ilusório mediatizado pela palavra prenhe da falsa convicção, por saberem que não vão cumprir o prometido.

 

Afinal, cumprem a sua função de transformar em ouro o seu exercício profissional, com assinatura e tudo em tudo o que for decidido, para proveito próprio, repartido também à custa do erário público, pelos protegidos e afilhados apoiantes, sem esquecer os ‘boys’ do partido vitorioso. E os indígenas, cá do vasto couto, que se aguentem conforme puderem, e que muito especialmente trepem para conseguirem obter alguma bolota. Um bolota consentida, muito doseada, nunca abusada. Para finalizar não há dúvida que: o que é preciso é ter mesmo sorte, e chegar à conclusão final que a sorte é tudo na vida, descartando o azar para os outros; os outros são os que pouca gente conhece nesta indiferença geral que a maioria aprendeu, passiva e erroneamente, a interiorizar; ela vive alheia ao que se passa no mundo e não exerce por desleixo e preguiça o culto da cidadania, único capaz de apressar a melhoria da condição humana no planeta Terra. Mas, enfim, o homem deixa-se tratar na sua passividade como um reles mortal, cheio de receios de cair na miséria, e obedece cegamente a demagogos que o manipulam e enganam.

30 de Abril de 2010

 

              Leia um estudo interessante sobre azar e sorte, editado na Internet (clique --------»: http://pt.shvoong.com/humanities/1246058-você-acredita-em-sorte-ou/

               E aprecie esta curiosa história mitológica: http://pt.wikipedia.org/wiki/Midas

 

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publicado por cronicas-de-rodrigo-da-silva às 18:13
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